Escrito por Renato Malcher-Lopes
Como funciona o efeito da maconha no organismo
em geral e no cérebro?O principal componente ativo da maconha, o THC, se liga a dois tipos principais de receptores: o CB1, mais proeminente no sistema nervoso central, e o CB2, mais encontrado no resto do organismo. Esses receptores são ativados por substâncias produzidas por diversos tipos celulares, incluindo os neurônios. Essas substâncias são, por isso, chamadas de canabinoides endógenos, ou endocanabinoides. São como “maconhas” produzidas pelo nosso organismo. Os endocanabinoides são protagonistas numa complexa rede de mecanismos fisiológicos, metabólicos, sensoriais, comportamentais, cognitivos e emocionais, que agem de forma integrada para manter a homeostase (equilíbrio do ambiente interno do organismo) em situações de normalidade e em situações pós-estresse. Basicamente, o sistema endocanabinoide, composto pelos endocanabinoides per si e seus receptores, funciona como orquestrador de alterações de ajuste a flutuações normais e, sobretudo, como coordenador de ajustes necessários ao retorno do organismo à normalidade após a adaptação aguda a algum tipo de estresse. Por isso, o THC da maconha gera simultaneamente e de forma mais intensa um conjunto grande de efeitos dos quais nosso próprio organismo lança mão normalmente para lidar com flutuações diárias e/ou situações adversas. Assim, a maconha causa sensação de relaxamento psicológico, relaxamento muscular e maior capacidade de introspecção (aumenta o foco e a atenção em aspectos específicos e diminui a atenção em aspectos dispersos do ambiente). Aumenta a percepção, a sensibilidade e a apreciação lúdica, estética e hedônica de todos os sentidos (olfação, gustação, audição, tato, visão e propriocepção). Diminui a sensação de dor, diminui a ansiedade. Aumenta a criatividade e dificulta o pensamento objetivo, que é substituído por uma capacidade atípica de integração de ideias, conceitos e emoções de forma mais flexível e subjetiva. Melhora a capacidade de gerar imagens mentais. Reduz transitoriamente a memória de curto prazo e, por isso, distorce a noção de tempo. Aumenta o apetite, atrasa a sensação de saciedade e elimina náuseas.
Os efeitos fisiológicos do sistema endocanabinoide e, por conseguinte, muitos dos efeitos da maconha são em grande parte resultantes da inibição do chamado sistema nervoso autônomo simpático (que atua em situações de emergência que demandam luta ou fuga) e pela ação estimuladora, ou permissiva, que o THC exerce sobre o chamado sistema nervoso autônomo parassimpático (que predomina em situações de normalidade). Essa ação sobre o sistema nervoso autônomo, em concerto com a ação dos canabinoides sobre circuitos do sistema nervoso central, promove, por exemplo, as sensações de bem-estar e calma, relaxamento muscular, redução da dor, aumento do apetite e da mobilidade gástrica, redução da sensação de náusea, aumento do armazenamento de reservas nutricionais (gordura e glicogênio), atenuação da resposta imune e inflamatória, e a estimulação da interação social e afetiva. Todos esses efeitos são transitórios e reversíveis. Em doses excessivas, ou quando abusada por um longo período, muitos dos efeitos da maconha, mas nem todos, serão os opostos dos descritos acima. Embora seja normalmente ansiolítica, em determinadas situações, a maconha pode potencializar o mau humor e a ansiedade, e eventualmente gerar estados paranoides moderados e transitórios.
Onde o THC é metabolizado e qual seu caminho no organismo após isso?
O THC é metabolizado no fígado e seus subprodutos são eliminados na urina. Por causa de sua natureza gordurosa, o THC associa-se a reservas endógenas de gordura e pode permanecer em baixas quantidades por muitos dias no organismo.
Por que motivo a maconha causa fome? Essa é uma reação física ou psicológica?
O THC da maconha ativa de forma mais potente um sistema que normalmente é ativado no cérebro quando estamos
Em outros países do mundo usa-se a maconha de forma terapêutica. Para que doenças e fins ela é usada?
A maconha pode ser usada para redução de diversos sintomas desconfortáveis associados ao mal-estar de muitas doenças. Ela é mais utilizada para eliminar a náusea (quimioterapia), diminuir a dor (dores centrais graves que não respondem a analgésicos comuns, enxaqueca, dores em membros-fantasma, etc.), aumentar o apetite (caquexia, anorexia nervosa), melhorar o estado de humor, reduzir espasmos musculares (esclerose múltipla, cólicas), reduzir pressão intraocular (glaucoma), reduzir convulsões (epilepsia, tétano, etc.), diminuir a ansiedade e aumentar o sono (insônia). A maconha também pode ser utilizada para reduzir efeitos da síndrome de abstinência de drogas altamente viciantes como o crack.
A maconha medicinal é vendida em que formato?
A maconha pode servir como fonte de princípios ativos isolados ou ser usada in natura. O uso de princípios ativos isolados tem a vantagem de atuar de forma mais específica quando se deseja evitar efeitos desnecessários. Já a maconha in natura é vantajosa para estados multissintomáticos. A vantagem da inalação dos componentes da maconha via vaporizadores (que aquecem a planta sem produzir fumaça tóxica) está na rapidez do efeito e na adequação da dose pelo próprio paciente ao mínimo necessário para a obtenção do efeito desejado. Entretanto, o uso da maconha in natura será mais consistente se esta provier de linhagens padronizadas, com baixa variabilidade de composição relativa e concentração de princípios ativos.
O efeito da maconha medicinal é semelhante ao efeito da droga consumida em formato de cigarro?
A maconha fumada como cigarro terá efeitos semelhantes aos da maconha inalada por meio de vaporizadores, porém essa incluirá na fumaça muitos dos mesmos componentes tóxicos do tabaco. Assim, para finalidades medicinais, a maconha deve ser utilizada por meio de vaporizadores, mas não fumada.
Alguns médicos defendem que a maconha deve ser evitada de qualquer jeito, porque prejudicaria os neurônios e causaria mais câncer que o cigarro comum. Outros defendem a descriminação, alegando que a maconha traz mais benefícios que malefícios. Afinal, na sua opinião, quem está com a razão?
Aqueles que dizem que a maconha deve ser evitada a qualquer custo estão mal informados sobre a excelente relação custo-benefício do uso da maconha em muitos casos onde ela é mais eficiente e benigna que os remédios industrializados. Existem na população indivíduos mais suscetíveis a determinados efeitos adversos, como a precipitação de surtos psicóticos, mas esses são minoria. De qualquer modo, é importante frisar que a maconha não deve nunca ser abusada, mas, mesmo que for abusada, ainda será muito menos prejudicial do que quando comparada com o abuso de remédios vendidos corriqueiramente nas farmácias e utilizados em hospitais, como antidepressivos, opioides (morfina), barbitúricos, ansiolíticos, entre outros. Também é importante lembrar que a maconha medicinal produz os mesmos efeitos psicotrópicos e alterações transitórias da memória de curto prazo. Portanto, o uso crônico, ainda que controlado, deve ser evitado, avaliando-se, é claro, em cada caso, a relação custo-benefício. Hoje em dia, com a fartura de dados clínicos sobre o uso medicinal da maconha, opor-se intransigentemente à exploração do seu potencial terapêutico é, em minha opinião, uma atitude mais próxima da negligência do que da cautela médica.
Queria fazer um adendo às respostas: Não existe nenhum estudo cientifico demonstrando que o uso exclusivo da maconha cause câncer. Isto é uma especulação que assumiu aparência de verdade por ter sido repetida na mídia por pessoas sem preocupação com o rigor científico. Mas o melhor é não arriscar e utilizar os vaporizadores que produzem a chamada "fumaça fria" da maconha, que não contém os produtos tóxicos da queima e é rica em canabinóides altamente anticancerígenos.
Renato Malcher-Lopes é biólogo pela
Universidade de Brasília e doutor em Neurociências pela Universidade Tulane, em New Orleans , EUA. Fez
pós-doutorado em Neurofisiologia pela Ecole Polytechinique Fedérále de Lausanne
(Suíça) e em
Bioquímica Analítica , pelo laboratório de espectrometria de
massa da EMBRAPA Recursos Genéticos e Biotecnologia. É autor do livro Maconha,
Cérebro e Saúde.
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